Por Carollina Lima – professora da Faculdade de Educação/UFBA
Os famosos versos de Baiana System expressam a sufocante realidade da especulação imobiliária na cidade de Salvador. Aqui, desde 2016, quando, durante a gestão de ACM Neto, o PPDU foi alterado, estabelecendo novos parâmetros para as construções na orla, assistimos à multiplicação de novos empreendimentos ao longo de toda a beira-mar. Apesar dos casos icônicos de sombreamento nas praias de Recife (PE) e de Balneário Camboriú (SC), a gestão pública de Salvador parece trabalhar para que o mesmo aconteça aqui: a uma distância de menos de 100m da praia, o PPDU passou a permitir a construção de prédios com até 12 andares.
O sombreamento das praias, com consequências para sua biodiversidade, não é o único problema decorrente da construção de prédios altos na orla. Esses edifícios à beira-mar também criam obstáculos à ventilação, que alcança várias partes da cidade. Em um contexto de aumento das temperaturas em nível global, não parece sensato manter uma legislação de ocupação urbana que não consegue garantir qualidade de vida e o bem-estar de seus cidadãos.
Há, ainda, outros dois aspectos que me parecem importantes nesta discussão: o primeiro diz respeito à descaracterização de espaços urbanos emblemáticos para a história da cidade, sua cultura e desenvolvimento. O segundo se associa às características de alguns desses empreendimentos na sua relação com o projeto de cidade em curso: prédios com centenas de apartamentos de dimensões mínimas, voltados para investidores.
Cito como exemplo o Rio Vermelho, já parcialmente descaracterizado durante a revitalização do calçadão. O bairro, símbolo da boemia e da vida noturna da capital, onde também acontece a importante Festa de Iemanjá, vem sendo invadido por diferentes construtoras. Há prédios sendo levantados por todos os lados e agora, ao que parece, chegou a vez da orla, em seu ponto mais simbólico: a Rua da Paciência. Na segunda semana de janeiro, uma das casas do quarteirão (que não tem imóveis com mais de três andares) apareceu cercada por tapumes, ostentando a propaganda de mais um prédio.
A resistência dos moradores, como vista na Barra, em 2015, e, mais recentemente, em Stella Maris e no movimento “S.O.S Buracão”, mostra a rejeição ao modelo de cidade que nos vai sendo imposto e às práticas predatórias do mercado imobiliário. Estamos em ano de eleições municipais. Este é um tema que precisa ser pautado nos debates e a sociedade deve cobrar responsabilidade de seus candidatos e candidatas. É urgente frear os abusos e pressionar pela revisão da legislação atual. Afinal, qual é a Salvador que queremos? É razoável impactar a circulação de ar, afetar a biodiversidade e retirar o direito à cidade de seus cidadãos em favor dos lucros de meia dúzia de construtoras?
“Triste Bahia”, como diria Gregório de Matos.