Por Vitor Rocha
Nos últimos anos emergiu uma nova safra de torcedores brasileiros que compartilham, ou mesmo priorizam sua paixão pelo futebol, e escolhem para isso times estrangeiros. Conforme revelado por uma pesquisa conduzida em 2023 pela CNN/Itatiaia/Quaest, 47% dos jovens entre 16 e 30 anos afirmam ter afinidade com alguma equipe europeia. Uma das causas apontadas é a crescente importação dos campeonatos europeus exibidos nas múltiplas telas da programação brasileira.
Atualmente, há transmissão das cinco grandes ligas europeias (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália) no Brasil, seja por meio do YouTube, serviços de streaming ou canais abertos e fechados. Lucas Silva, um estudante de 21 anos, torcedor do Vitória, exemplifica esse cenário. Ele relata que assistir ao Barcelona de Pep Guardiola jogar fez com que se apaixonasse pelo clube. “Cada jogo era mágico, o nível era e ainda é muito superior ao que se vê aqui. O que me encantou foi o espetáculo”, relembra Silva. A disparidade econômica e a saída precoce de promessas brasileiras para a Europa expõem, cada vez mais, a desigualdade técnica entre times nacionais e estrangeiros. Resultado: mais torcedores vibrando por times europeus.
Outro motivo para a afinidade com times europeus, este ainda mais antigo, é a considerável presença de descendentes de imigrantes no país. Lorenzo Mancini, de 23 anos, afirma que desde a infância foi incentivado por familiares a torcer pela Roma, equipe originária da cidade natal de sua família italiana. “Em nossa casa, nunca houve dúvida, todos são torcedores da Roma e do Bahia. Desde muito pequeno, eu vestia as cores da Roma, torcendo tanto quanto pelo Bahia. A influência familiar foi importante, especialmente de meu pai”, conta. O Brasil destaca-se como o país com o maior contingente de pessoas de ascendência italiana fora da Itália, conforme dados da Fondazione Migrantes, responsável pelo Rapporto Italiani nel Mondo. Estima-se que aproximadamente 30 milhões de brasileiros sejam descendentes, resultando em uma considerável quantidade de torcedores mistos. Fora a Itália, o Brasil ainda tem uma significativa presença de imigrantes espanhóis e alemães, povos que culturalmente prestigiam muito o futebol e também exercem influência na escolha de time das novas gerações.
O papel dos jogadores
Há também aqueles que desenvolvem uma paixão por um jogador específico e passam a torcer pelo clube por causa desse talento. Este é o caso de Roger Caroso, um estudante de 19 anos e torcedor do Atlético de Madrid desde os sete. “Após a Copa de 2010 me tornei fã de Diego Forlán e comecei a acompanhá-lo no Atleti. Quando comecei a seguir o time meu cunhado me apoiou, pois, durante o período em que ele morou na Espanha, também era torcedor do Atleti”, contou Caroso. O jovem destaca que, apesar de seu amor pelo time espanhol, sua paixão pelo Bahia é incomparável, atribuindo isso à proximidade e à representação do clube em relação à sua origem e localidade.
Estrangeirização e vínculos
Os profissionais da cobertura esportiva local, que acompanham o cotidiano de clubes, jogadores e torcedores nos estádios, destacam que o freio da estrangeirização da torcida brasileira pode estar no fortalecimento dos vínculos. É o que pensa o jornalista Matheus Carvalho, que possui mais de 20 anos de experiência profissional, com passagem pelo departamento de esportes da TV Bahia e na liderança de projetos como a cobertura da Copa do Nordeste pela TV Aratu, emissora onde trabalhou até o início de 2023. Carvalho afirma que não é papel da imprensa amenizar esse processo, mas que pode auxiliar na manutenção da torcida por clubes brasileiros. “Uma cobertura que valorize os símbolos, os atletas e as boas histórias pode sempre contribuir para fortalecer o vínculo. Claro que o principal é que os clubes sejam competitivos e capazes de atrair investimentos”, acredita. O jornalista ressalta o exemplo do Bahia. A partir do projeto de Sociedade Anônima de Futebol (SAF), da parceria com o grupo City, o número de sócios voltou a aumentar, assim como o interesse tanto da torcida, quanto da mídia pelo clube.
A paixão que vem de berço para a maior parte dos fãs de futebol é apontada pela repórter esportiva do Correio, Daniela Leone, como estímulo para a manutenção da força de adeptos dos clubes nacionais. Leone diz que o ambiente nos estádios é um aspecto que pode influenciar os jovens a se interessar pelos times locais e evidencia a falta de segurança nos jogos. Segundo a jornalista, o futebol brasileiro precisa olhar para essa nova geração, criar um ambiente seguro e familiar no estádio, oposto do que existe hoje, onde os pais se sintam mais tranquilos em levar seus filhos e estabelecer essa proximidade com os mais novos. Ela ainda destaca a liberdade de cada um torcer para o time que quiser, porém, enfatiza: “Quantos garotos brasileiros vão poder ver de perto um Real Madrid, PSG, Manchester City, Barcelona? São muito poucos. Então, é interessante que os ídolos também estejam por perto, que os clubes do coração também estejam por perto, porque é muito mais acessível ver um time da sua cidade, do seu estado”.