Por Gina Marocci
Antes de haver uma formação profissional distinta das corporações de ofício, os mestres de obras atuavam nas cidades portuguesas em todo tipo de obra. Eles desenvolviam suas habilidades como pedreiros, depois assumiam o posto de mestre-pedreiro, e, por meio de um processo de avaliação, que consistia em apresentar uma obra concluída aos examinadores do ofício, eles estavam aptos a assumir o cargo de arquiteto ou mestre da obra (Marocci, 2011). Segundo Helder Carita (1999), e no reinado de D. Manuel I (1495-1521), foram criados novos cargos de mestres de obras como: “[…] mestre das Obras Reais da Madeira, cargo dado a João de Cáceres em 13 de maio de 1513, mestre das Obras Reais da pedraria e paços de Évora, dado a Martim Lourenço em 23 de Maio de 1513, e ainda mestre de Obras Reais de pedraria da cidade de Lisboa, […].”
Com a investida de Portugal e Espanha sobre o Novo Mundo, a necessidade de defender tanto o território europeu quanto as colônias americanas e africanas exigiu uma formação qualificada em grandes obras como pontes, fortificações e cidades. Por outro lado, a Lisboa medieval não tinha uma feição condizente com o que se esperava da capital de um grande império, presente em quase todos os continentes. Assim, na primeira década do século XVI, D. Manuel I decidiu sair do castelo medieval de São Jorge para se instalar na cidade baixa, na ribeira do Tejo. Nela havia um grande terreiro, o centro econômico da cidade. O palácio era composto inicialmente por um corpo retangular perpendicular ao rio, arcadas no pavimento térreo e um baluarte de cantaria cujo projeto e obra são atribuídos a Diogo de Arruda, tio de Miguel de Arruda, responsável pela idealização da cidade do Salvador, cabeça do Brasil.

No reinado de D. Manuel I, as obras reais ficavam sob a responsabilidade da Casa Real, estrutura que centralizava a sua elaboração e controle de execução. Nomeava-se um arquiteto, que responderia pelo cargo de mestre das obras. Um exemplo era o cargo de Mestre das Obras dos lugares d’Além (segundo Carita, o primeiro a ser nomeado foi Rodrigo Anes, em 1473), que coordenava um grupo de profissionais com prática na construção civil e militar, para atuar em obras nas colônias. Beatriz Bueno (2001), afirma que ao final do reinado de D. Manuel I já se havia formado um grupo seleto de profissionais a serviço da Coroa. O sucessor de D. Manuel, D João III (1521-1557) fomentou a renovação cultural em Portugal ao estabelecer um programa de bolsas de estudo para intercâmbio com outros estados europeus, que promoveu a capacitação de profissionais para os projetos de defesa e o emprego de novas estratégias militares. O forte intercâmbio entre Portugal e Itália era marcado por um duplo interesse. Para Portugal, era importante buscar novos conhecimentos de arquitetura, principalmente militar. Para a Itália, interessavam os conhecimentos sobre a ciência náutica, ponto forte dos profissionais de Portugal.
No reinado de D. João III o Brasil foi dividido em capitanias hereditárias, criou-se o governo geral e Salvador foi fundada para ser a capital. Francisco de Holanda, António Rodrigues e Miguel de Arruda foram os maiores arquitetos desse período. Os dois primeiros estudaram na Itália. Miguel de Arruda, filho de Francisco de Arruda, foi Mestre das obras dos muros e das fortificações do Reino, Lugares d’Além e Índia, herdeiro de uma formação embasada na vasta experiência do tio e do pai, como na experiência adquirida como auxiliar do italiano Benedetto da Ravena na construção da vila fortaleza de Mazagão, no Marrocos (Bueno, 2001).
Em 1562 foi criada pela regente, D. Catarina (1557-1562), a Escola Particular dos Moços e Fidalgos (Escola do Paço da Ribeira), instituição que definição do perfil do arquiteto e do engenheiro militar em Portugal, sendo que o segundo profissional prevaleceu. Nela ensinava-se arquitetura militar e civil, pois havia necessidade de especializar profissionais, que seriam efetivos funcionários a serviço da Coroa, na arte de fortificar, no levantamento de pontes, construção de estradas, de cais, abertura de ruas, levantamento de cidades, enfim, profissionais que fossem capazes de assumir a grande empreitada que era a manutenção das colônias do Império (Marocci, 2011). De acordo com Bueno (2001), a hierarquia dos engenheiros militares era organizada em quatro classes, o corpo de engenheiros, relacionadas diretamente com a organização da defesa dos territórios do Império Colonial Português. Havia também nas tropas de infantaria e de artilharia os engenheiros extraordinários, que poderiam atuar como engenheiros em ocasiões especiais.
Classes dos engenheiros militares em Portugal
CLASSE | CARGO | ATRIBUIÇÃO |
1ª | Engenheiros Diretores | Um para cada Província, encarregados de dirigir as obras e subordinados aos Governadores das Armas das Províncias do Reino, aos Capitães-Generais das Capitanias do Ultramar (Brasil) e ao Engenheiro-Mor do Reino |
2ª | Engenheiros-Chefes | Primeiros engenheiros das praças (lugar) |
3ª | 2os Engenheiros das praças | Havia um para cada Praça ou mais, conforme a sua importância |
4ª | Engenheiros Subalternos | Tinham patente de capitão para baixo |
Não havia profissionais qualificados para aturar em todas as colônias do reino, portanto, no Brasil estiveram presentes Engenheiros-Chefes e Segundos-Engenheiros, que trabalhavam a serviço das câmaras municipais e atendiam a solicitações de particulares. Entretanto, cabia-lhes prestar constas de suas ações ao capitão-general da capitania a qual serviam e ao Engenheiro-mor do Reino. No caso de Salvador, após o retorno de Luiz Dias substituiu-lhe, como Mestre de Obras da Cidade, Lopo Machado e, depois dele, Pedro Carvalhaes (ou Pero de Carvalhaes), mestre pedreiro e fabricante de cal que veio com Tomé de Sousa (Oliveira, 2004).
Para Oliveira, o Capitão Francisco de Frias de Mesquita foi o primeiro engenheiro-mor que se destacou na colônia, com obras em várias capitanias e na capital. Ele chegou ao Brasil em 1603, permaneceu até 1605 em Pernambuco, e no mesmo ano começou a atuar em Salvador na projetação das fortificações da cidade. Como engenheiro-mor, foi responsável pelos projetos e obras de fortificações em todo o Brasil , como o Forte dos Reis Magos (Natal) e o Forte de São Mateus (Cabo Frio), além de obras civis e religiosas, como o Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, o conjunto inicial do Mosteiro de São Bento da Bahia, as igrejas matrizes de Olinda e de Natal, as igrejas e conventos do Carmo em Olinda, e no Rio de Janeiro ((UFBA, 1998).
Em Salvador, Frias de Mesquita teve como auxiliar Domingos da Rocha, projetou o Forte da Laje do porto, fez melhoramentos nos fortes de Santo Antônio e de São Felipe. Participou do combate e expulsão dos holandeses, que ocuparam a cidade em 1624, atuou em Salvador até 1635, ocupando-se, principalmente, da melhoria das defesas da cidade.
REFERÊNCIAS
BUENO B. P. S. Desenho e Desígnio: o Brasil dos engenheiros militares (1500-1822). 2001. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa: Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
OLIVEIRA, M. M de. As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça do Brasil. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia. Evolução Física de Salvador. Edição especial. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 1998.