Por Irmão João
Sagrado e profano não é um dualismo, mas uma dualidade inerente ao ser humano. A percepção mais comum (existem outras) sobre sagrado e profano é a dimensão cúltica. Sagrado é o que está relacionado ao culto religioso, ao que é reservado à divindade, como espaços físicos, objetos, oferendas, rituais, pessoas que executam o culto etc. Fora dessa dimensão cultual tudo é profano, não sagrado. Vê-se, então, que quase tudo está na esfera do profano, assim como, sagrado e profano não significa bem e mal, ser ou não ser de Deus, virtude e pecado.
Pode-se fazer o bem e o mal em ambas as dimensões. Por exemplo, criar leis e realizar projetos sociais que favoreçam os mais vulneráveis, isto é um bem na esfera profana. Estimular e criar formas de intolerância, que vão de um preconceito à tortura e morte, por motivos religiosos, isto é um mal na esfera religiosa.
Tanto o sagrado como o profano podem acolher erros, são passíveis de mudanças, precisam ser humanizadores, libertadores e devem visar ao bem pessoal e comum. Carnaval e Quaresma são exemplos emblemáticos dessas duas dimensões na nossa cultura. Para quem não consegue dar a justa medida das coisas, o Carnaval é só violência e depravação e a Quaresma é só repressão e mortificação.
O Carnaval tem origens antigas, anteriores ao Cristianismo, e na Europa estava relacionado aos festejos populares da chegada da primavera, com banquetes, danças e brincadeiras pelas praças e ruas das cidades. Herdamos a tradição portuguesa do Entrudo, manifestação popular que também levava pessoas fantasiadas às ruas.

A terça-feira de Carnaval encerra um ciclo de eventos festivos profanos, e na quarta-feira chamada de Cinzas, começa um ciclo religioso para os católicos, a Quaresma. A Igreja Católica tem um calendário litúrgico anual preenchido de celebrações ou memórias que nos remetem à pessoa de Jesus Cristo. Esse calendário é feito em torno de duas memórias festivas: o Natal, com um tempo preparatório de 4 semanas chamado de Advento, e a Páscoa ou Ressurreição de Jesus, que tem um tempo preparatório de 40 dias chamado de Quaresma.
O calendário litúrgico objetiva manter e avivar a fé, a esperança e o amor a Jesus e à sua mensagem. A quaresma começa na Quarta-Feira de Cinzas e vai até a Quinta-Feira Santa, quando é celebrada a Última Ceia Pascal de Jesus com os Apóstolos, véspera da memória da sua morte na Sexta-Feira Santa. São 40 dias que nos remetem aos 40 anos que o povo hebreu passou, após o cativeiro do Egito, em busca da Terra Prometida. Lembra os 40 dias que Moisés passou no Monte Sinai à espera da Lei, os Dez Mandamentos, e dos 40 dias que jesus passou retirado no deserto preparando-se para seu ministério profético que culminaria com a sua morte.

Da recepção das cinzas sobre nossas cabeças, para lembrar a nossa finitude e que devemos nos despojar da arrogância e dos apegos desmedidos, até a Quinta-Feira Santa, a Igreja faz um apelo de conversão (metanoia) e penitência usando os bens na justa medida. Nesses 40 dias a Igreja oferece leituras bíblicas fortes, exercícios espirituais como a Via Sacra, retiros, a Confissão dos pecados e a prática de mais orações, jejuns e esmolas. Tudo isso para celebrarmos devidamente a Páscoa, vitória da vida sobre a morte, do bem sobre o mal. O sagrado na dimensão cristã-católica leva sempre a uma esperança de uma vida plena e eterna.