Por Esther Morais
Da produção de tecidos até cosméticos para a pele, os terreiros de religiões de matriz africana estão influenciando os fazeres na moda e no artesanato em Salvador, onde é possível encontrar diversas peças que “nascem” dos terreiros e são comercializadas como forma de reproduzir a arte e o saber cultural ancestral (lista com redes sociais de produtores ao final da matéria).
Um desses exemplos é o tecido de alaká, pano de origem africana que incorpora as cores simbólicas dos orixás. Atualmente, Salvador possui dois terreiros que têm casa de tecelagem e preservam a tradição do pano, são eles: o Ilê Axé Opô Afonjá e o Mãe Mirinha de Portão. O lugar de venda é dentro dos espaços religiosos.

Do candomblé, a tecelã Iraildes Santos é integrante da Casa do Alaká, local criado por Mãe Stella de Oxóssi para preservar a tradição do tecido, e diz que o produto é mais consumido por religiosos, mas, seja para conhecer, aprender ou comprar, a produção está aberta ao público. O curso para aprender a técnica é gratuito. Já os valores do tecido variam entre R$ 330 e R$ 350. A média de produção mensal é de 15 panos.
“Não lançamos moda [no sentido de tendência e fabricação industrial], trabalhamos com preservação do pano-da-costa. Vendemos só o tecido. A criação das peças fica por conta das pessoas que compram, se querem fazer vestido, bata, saia”, explica.
“[É importante] preservar essa tradição do pano, que é uma identidade africana dentro dos espaços religiosos e que está se perdendo. Para se falar de um povo é preciso manter viva a história e memória desse povo em coisas que esse povo utilizava. O pano conta a história de vida dessas pessoas”, afirma.
Na Abebé Cosméticos, os cosméticos são outros itens de moda que resgatam o saber ancestral. A idealizadora da marca, Jaqueline Bastos, é farmacêutica e teve a ideia de criar a marca quando foi iniciada no candomblé. A Abebé produz cosméticos naturais, a exemplo de hidratantes, óleos corporais e linha capilar, inspirados na cultura e religião de matriz africana.
“[Quero] representar as energias dos orixás através do aroma. Utilizo óleos essenciais como aroma terapêutico para desenvolver sentimento e reações nas quais eu tenho essa sensibilidade no terreiro”, afirma.



Os cosméticos são também comercializados para o público geral, em todo Brasil. “A diferença para o mercado convencional é que a gente usa essa parte da energia dos orixás. Os produtos além do viés para pele, de cuidado corporal, trazem muito esse cuidado espiritual”, ressalta. Nos produtos são utilizados plantas e folhas comuns nos rituais da religião.
Um dos objetivos de Jaqueline é implementar no canal de venda os terreiros como principal base de distribuição dos produtos, tendo um revendedor em casa espaço para fomentar a renda da comunidade.
A candomblecista Jamile Nobre, 43, é cliente da Casa de Alaká e os ojás – tipo de torço ou turbante usado na cabeça nas religiões de matriz africana – são seus itens favoritos. Para ela, existe uma diferença entre a moda dos terreiros e a comercial/convencional, visto que no candomblé há valores que são pregados, como a humildade, espiritualidade e modéstia nas vestimentas.
“No terreiro existe essa moda menos exagerada porque […] ali é para louvar nossa espiritualidade. Quando coloco turbantes eu sinto um empoderamento mais envolvente, forte, me sinto mais dona de mim quando coloco meus ojás maravilhosos produzidos pela Casa de Alaká. Me faz me sentir melhor”, analisa.
Origem
Religiosos do candomblé explicam que o que se tem de moda nos terreiros hoje remete à ancestralidade e à chegada de escravizados no Brasil. Representantes das religiões de matriz africana ainda destacam que, apesar do termo “moda”, existe uma profundidade ainda maior quando se relaciona o vestuário com questões religiosas.
“Na África todos os africanos tinham pano-da-costa. Ao nascer a criança já ganha seu pano. porque o pano conta a história da vida dessa pessoa, cada processo de vida o indivíduo ganhava o tecido e ao falecer o tecido era enrolado no corpo dessa pessoa contando sua trajetória de vida”, relembra a tecelã da Casa de Alaká, Iraildes.
No Brasil, Mãe Stella de Oxóssi foi uma das responsáveis por potencializar a produção do pano. Em 2002 ela abriu um curso em parceria com a Petrobras e conseguiu construir o espaço da casa de tecelagem.
Segundo mapeamento do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Salvador possui 1.165 terreiros. A seguir está uma lista de alguns espaços de produção de moda nos terreiros que a reportagem encontrou durante a apuração. Todos são de Salvador.
Confira alguns produtores (se embedar, o leitor consegue clicar direto no endereço):
- Casa do Alaká:
https://www.facebook.com/OjaeAlaka/?locale=pt_BR
- Abebé Cosméticos:
https://www.instagram.com/abebecosmeticos/
- Yaloxum (roupas de candomblé e semi jóias):
https://www.instagram.com/yaloxum/?igshid=NzZlODBkYWE4Ng%3D%3D
- Atelier Baobá (confecção de roupas com bordado ancestral, chamado Barafunda e Bainha aberta):